Professor João Batista Libânio destaca ligação do papa com o povo; para Hans Küng, desafeto de Bento XVI, 'foi uma escolha de qualidade'
Jesuíta como o papa, Libânio espera que Francisco seja "um papa simples, ligado ao povo pobre". Ele diz que a história de Bergoglio é a de um homem que, jovem, aproximou-se do que há de positivo no peronismo, "sua proximidade com o povo". "Ele leva uma vida muito simples, anda de metrô, faz sua comida, não tem nenhuma dessas pompas próprias de cardeal.". Um papa próximo da Teologia da Libertação? Sim e não, responde Libânio.
Para o jesuíta brasileiro, a Teologia da Libertação tem dois aspectos importantes. Bergoglio é próximo de um deles: a vida próxima aos pobres. "Como d. Pedro Casaldáliga, que morava em uma casa sem reboco, Bergoglio viveu próximo do povo pobre." Mas o papa se distancia do outro aspecto, o dos teóricos dessa doutrina cuja ação se concentra na crítica ao sistema capitalista.
"Na Argentina, os jesuítas têm o teólogo da libertação Juan Carlos Scannone, que conhece Bergoglio bem. Scannone é homem inteligente, culto, grande teórico. Bergoglio é homem do povo, pastoral, concreto. São duas tendências importantes, mas não contraditórias." Libânio vê uma tensão positiva entre as tendências. "Os populares podem dizer que o teórico está afastado do povo e o que está muito próximo do povo pode não perceber as contradições do sistema."
Não é só para Libânio que papa Francisco desperta esperança de mudança. Ao jornal La Repubblica, o teólogo Hans Küng, desafeto de Bento XVI punido por criticar o dogma da infalibilidade papal, disse que Bergoglio "foi a melhor escolha possível, uma escolha de qualidade". Pegos de surpresa, os progressistas aguardam mudanças na Igreja.
Nome. Entre eles está o teólogo Leonardo Boff. Punido por Joseph Ratzinger, quando o papa emérito Bento XVI estava à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, ele disse anteontem ao o Estado que "Francisco não é um nome, é todo um programa de Igreja". O nome também chamou a atenção de Libânio. "Mostra que ele vai querer ser um papa simples e pobre. Francisco não escolheu à toa esse nome."
São Francisco foi, para Küng e para Libânio, a antítese de Inocêncio III e do esplendor da Igreja medieval. "Vivia pobre, com uma túnica, e quis morrer nu e sobre o solo para mostrar despojamento. Esse Francisco nu, despojado e pobre é o nome que escolheu. Algum simbolismo isso deve ter. Ele nasceu para ser o papa simples", disse Libânio.
Apesar de o nome Francisco lembrar ainda outro santo da tradição jesuíta - Francisco Xavier -, Libânio crê que, como ensinamento, a escolha mira no santo de Assis. "Ele está relacionado à experiência de Bergoglio. Ele é homem simples, ligado ao povo pobre." Libânio lembrou que o novo papa não fez trabalho missionário no Oriente ou na África, como Xavier, mas uma carreira toda na Argentina. Nesse sentido, sua análise seria confirmada pela entrevista do cardeal de Nova York, Timothy Dolan, ao La Repubblica. Dolan esteve no conclave e disse que Bergoglio explicou sua escolha dizendo que homenageava Francisco de Assis.
Libânio também não crê que a origem jesuíta de Bergoglio tenha sido importante no conclave. "Não são os jesuítas que estão no poder, mas um jesuíta que agora tem uma missão universal. Hoje somos nós que o obedecemos e ele pode dispor dos jesuítas (17,6 mil no mundo) como quiser." Para Libânio, Bergoglio foi escolhido por ser homem pastoral, ligado ao povo, que foi arcebispo de Buenos Aires e tratou bem o clero. "É capaz de enfrentar situações difíceis, com personalidade forte e nenhuma dessas qualidade é típica de um jesuíta. Quem foi escolhido por sua teologia foi Bento XVI. Bergoglio não. Se tivessem pego Karl Rahner (falecido em 1984), aí sim, teriam escolhido o grande teólogo jesuíta do Concílio Vaticano 2.º."
Ditadura. Por fim, os progressistas não acreditam nas acusações de ligação de Bergoglio com a ditadura militar argentina (1976 -1983), que assassinou milhares de opositores. "Não o conheço tanto, mas sei que é homem com uma base peronista, e o governo militar foi contra essa base. Então, ele devia se sentir agredido no que há de mais profundo em seu coração argentino. Não é inteligível essa crítica. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) foi contra o governo militar, e você encontra d. Ivo (Lorscheiter, presidente da CNBB de 1971 a 1980, durante a ditadura) conversando com Castelo Branco. Dom Paulo Evaristo Arns visitou Medici, mas não se pode dizer que d. Paulo o apoiou. Com fotos e slogans você prova o que quiser, mas não entendo que um homem desses pudesse apoiar um governo contrário à tradição que o impregnara."